sexta-feira, 19 de agosto de 2016

A coisa ficou preta - Yanka Xavier



Se ontem você me falasse "A coisa ficou preta" 
Com certeza eu acharia que a coisa ficou feia 
Mas se hoje tu vem e diz "Vei, a coisa tá preta" 
Ah, meus olhos se encheriam de brilho e cor 
Meu sorriso ia ser de orelha a orelha.

Por que bicho, se a coisa tá preta, ela tá linda
Pense só você, eu tive a sorte de ter essa cor 
Ela por si só já é poesia 
Trago na pele um pouco de história 
No meu sangue tem um pouco de cultura

Então se tu vem hoje e me diz, a coisa tá preta 
Só te peço que me diga onde está 
Por que se estar, quero ver
E ter a certeza que mudou e que hoje 
Quando a coisa está preta, ela está linda.

terça-feira, 2 de agosto de 2016

A morte é uma piada




Morrer é ridículo. Você combinou de jantar com a namorada, está em pleno tratamento dentário, tem planos pra semana que vem, precisa autenticar um documento em cartório, colocar gasolina no carro e no meio da tarde morre.

Como assim? E os e-mails que você ainda não abriu, o livro que ficou pela metade, o telefonema que você prometeu dar à tardinha para um cliente?

Não sei de onde tiraram esta ideia: morrer. A troco?
Você passou mais de dez anos da sua vida dentro de um colégio estudando fórmulas químicas que não serviriam pra nada, mas se manteve lá, fez as provas, foi em frente. Praticou muita educação física, quase perdeu o fôlego, mas não desistiu. Passou madrugadas sem dormir para estudar pro vestibular mesmo sem ter certeza do que gostaria de fazer da vida, cheio de dúvidas quanto à profissão escolhida, mas era hora de decidir, então decidiu, e mais uma vez foi em frente. De uma hora pra outra, tudo isso termina numa colisão na freeway, numa artéria entupida, num disparo feito por um delinquente que gostou do seu tênis. Qual é?
Morrer é um chiste. Obriga você a sair no melhor da festa sem se despedir de ninguém, sem ter dançado com a garota mais linda, sem ter tido tempo de ouvir outra vez sua música preferida.
Você deixou em casa suas camisas penduradas nos cabides, sua toalha úmida no varal, e penduradas também algumas contas. Os outros vão ser obrigados a arrumar suas tralhas, a mexer nas suas gavetas, a apagar as pistas que você deixou durante uma vida inteira.
Logo você, que sempre dizia: das minhas coisas cuido eu. Que pegadinha macabra: você sai sem tomar café e talvez não almoce, caminha por uma rua e talvez não chegue na próxima esquina, começa a falar e talvez não conclua o que pretende dizer. Não faz exames médicos, fuma dois maços por dia, bebe de tudo, curte costelas gordas e mulheres magras e morre num sábado de manhã.
Se faz check-up regulares e não tem vícios, morre do mesmo jeito. Isso é para ser levado a sério?
Tendo mais de cem anos de idade, vá lá, o sono eterno pode ser bem-vindo. Já não há mesmo muito a fazer, o corpo não acompanha a mente, e a mente também já rateia, sem falar que há quase nada guardado nas gavetas.
Ok, hora de descansar em paz. Mas antes de viver tudo, antes de viver até a rapa? Não se faz.
Morrer cedo é uma transgressão, desfaz a ordem natural das coisas. Morrer é um exagero. E, como se sabe, o exagero é a matéria-prima das piadas. Só que esta não tem graça.

Eu sou a peosia que veste uma canção.  Em seus lindos braços quero me afagar. Seguir o rumo do teu coração  E se houver verdade, quero repou...